A madrugada se anunciava quando eu me pus a caminhar por
aquela estrada estreita de chão, sob um céu de vagalumes, na direção em que o
calor do fogo pudesse me levar. Ao meu redor estavam somente as árvores e as
certezas de segurança e paz. Depois de
uns cem passos no silêncio, avistei a primeira tocha acesa. No mesmo instante,
um guaxinim, que também resolvera, por um motivo qualquer, caminhar na calada
da noite, passa por mim e deixa em meu rosto o esboço de um sorriso. Eu estava
tranquila.
Logo mais a frente, pude ver as luzes. Provavelmente as
chamas da fogueira que fazem todas as noites, para o luau e as danças típicas.
Conforme me aproximava do local, o ruído dos tambores aumentava e eu sentia
meu coração pulsar num ritmo frenético, como se fosse sair do peito. Quanto
mais andava, mais forte ecoavam as batidas em mim.
Encontro a casa principal e o que me chama atenção são os
rostos. Todos sujos e coloridos. Pintados com cores de neón e desenhos tribais.
Tranquilos, suaves, em transe - apaixonados por cada momento que passavam ali. A expressão de amor era geral. Como se ao
dormir, todos tivéssemos sido colocados numa máquina do tempo e transferidos
para um acampamento hippie nos anos 70; ou para um ritual pagão na selva, no
tempo dos celtas; não sei. O certo é que, frente aos meus olhos, se mostrava a
maior expressão de afeto que eu já presenciara.
Ao ritmo de batuques, em alguma espécie de maracatu ou
qualquer outra coisa parecida, as pessoas se embalavam com seus espíritos
livres. Sorrisos e flores eram distribuídos entre todos, e o álcool, que em
minha vida costuma ser o artista principal nas festas, nessa se fazia menos
importante, e talvez fosse até coadjuvante.
Não resisti e entrei na roda de dança. Libertei todos os
meus demônios naqueles passos não ensaiados e me senti bem como nunca antes.
Senti a necessidade de viver aquela percepção de realidade em outros momentos,
quem sabe até periodicamente, para que minha vida fosse plena. Era isso.
Naquele momento eu percebia o mundo que me rodeava. Percebi finalmente, depois
de muito tempo, a grandiosidade do universo que me cerca e a beleza presente na
dúvida e na incerteza sobre o que há além. Transcendi.
Fui ao paraíso e voltei. E foi aí que você apareceu em minha
mente. De súbito, olhei para a parede e nela li teus versos. Cada boca que eu
enxergava parecia a tua, e quis beijá-la. Cada olhar apaixonado era o teu, cada
trança no cabelo era a tua. No meio da árvores sentia tua presença, no sol da
aurora vi teu rosto.
Contudo, o mais
surreal e incrível momento foi quando, ao me aproximar dos girassóis, o teu
cheiro chegou às minhas narinas. Neste instante, tive a certeza que tu também estavas em paz, e de que sentias o mesmo que eu. Sabia que estavas feliz e que
transcendias como eu. Percebi que não importa a distância, a realidade, o
contato ou a situação: é na paz de espírito que os corações se sentem e se tocam; é na
tranquilidade que as almas se unem e concluem o ritual do amor.
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