sexta-feira, novembro 22, 2013

Sobre transcendência e liberdade

A madrugada se anunciava quando eu me pus a caminhar por aquela estrada estreita de chão, sob um céu de vagalumes, na direção em que o calor do fogo pudesse me levar. Ao meu redor estavam somente as árvores e as certezas de segurança e paz.  Depois de uns cem passos no silêncio, avistei a primeira tocha acesa. No mesmo instante, um guaxinim, que também resolvera, por um motivo qualquer, caminhar na calada da noite, passa por mim e deixa em meu rosto o esboço de um sorriso. Eu estava tranquila.

Logo mais a frente, pude ver as luzes. Provavelmente as chamas da fogueira que fazem todas as noites, para o luau e as danças típicas. Conforme me aproximava do local, o ruído dos tambores aumentava e eu sentia meu coração pulsar num ritmo frenético, como se fosse sair do peito. Quanto mais andava, mais forte ecoavam as batidas em mim.

Encontro a casa principal e o que me chama atenção são os rostos. Todos sujos e coloridos. Pintados com cores de neón e desenhos tribais. Tranquilos, suaves, em transe - apaixonados por cada momento que passavam ali.  A expressão de amor era geral. Como se ao dormir, todos tivéssemos sido colocados numa máquina do tempo e transferidos para um acampamento hippie nos anos 70; ou para um ritual pagão na selva, no tempo dos celtas; não sei. O certo é que, frente aos meus olhos, se mostrava a maior expressão de afeto que eu já presenciara.

Ao ritmo de batuques, em alguma espécie de maracatu ou qualquer outra coisa parecida, as pessoas se embalavam com seus espíritos livres. Sorrisos e flores eram distribuídos entre todos, e o álcool, que em minha vida costuma ser o artista principal nas festas, nessa se fazia menos importante, e talvez fosse até coadjuvante.

Não resisti e entrei na roda de dança. Libertei todos os meus demônios naqueles passos não ensaiados e me senti bem como nunca antes. Senti a necessidade de viver aquela percepção de realidade em outros momentos, quem sabe até periodicamente, para que minha vida fosse plena. Era isso. Naquele momento eu percebia o mundo que me rodeava. Percebi finalmente, depois de muito tempo, a grandiosidade do universo que me cerca e a beleza presente na dúvida e na incerteza sobre o que há além. Transcendi.

Fui ao paraíso e voltei. E foi aí que você apareceu em minha mente. De súbito, olhei para a parede e nela li teus versos. Cada boca que eu enxergava parecia a tua, e quis beijá-la. Cada olhar apaixonado era o teu, cada trança no cabelo era a tua. No meio da árvores sentia tua presença, no sol da aurora vi teu rosto.

Contudo, o mais surreal e incrível momento foi quando, ao me aproximar dos girassóis, o teu cheiro chegou às minhas narinas. Neste instante, tive a certeza que tu também estavas em paz, e de que sentias o mesmo que eu. Sabia que estavas feliz e que transcendias como eu. Percebi que não importa a distância, a realidade, o contato ou a situação: é na paz de espírito que os corações se sentem e se tocam; é na tranquilidade que as almas se unem e concluem o ritual do amor.

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